terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Chato

Por mais duro que possa ser, chega um momento da vida que é necessário se olhar no espelho, esfregar as mãos no rosto e, em grave concentração, assumir a inegável verdade. Eu sou chato. Mas não um pouquinho chato, como quase todo mundo é quando acorda com o nariz entupido. Fala de uma chatice incomensurável, daquelas que me surpreende como alguém consegue tolerar minha modorrenta companhia por mais de dez minutos.

A bem da verdade, dizer-se chato é muito pouco, pois, como todo representante do gênero, entendo que a chatice pode ser classificada em diversas vertentes, cada qual com sua nuance mais evidente, mas igualmente desagradável, em todas das quais eu consigo incorrer, desde já me enquadrando no chato sistemático, com mania de classificar tudo.

Há, por exemplo, o chato monotemático. Já consigo ver o leitor imaginário lá do fundo da sala, de braço levantado empolgado, que se enxergou na categoria. É, você mesmo que só consegue falar dos filhos, do marido/esposa, dos Beatles, da novela da Globo, de futebol, ou, especialmente, de si mesmo. Aliás, a última categoria, do chato egocêntrico, merece um capítulo todo para ela no Grande Manual da Chatice Crônica, ainda a ser escrito.

Em seguida, surge uma categoria meio nebulosa de chatice. O chato feliz. Trata-se daquela criaturinha irritante que está alegre, faça sol na constelação de leão ou chuva ácida de canivete. Suspeito de qualquer pessoa que permaneça sempre feliz, especialmente daqueles que acordam cedo segunda-feira, com um sorriso nos lábios e saem para dar um “exerciciozinho”. É o chato pegajoso, que te conta sempre a mesma piada e ri sozinho. Há, por óbvio, o oposto extremo, o chato infeliz, que, por mais que lhe caiam mil bênçãos do céu, vai reclamar sempre da artrose no mindinho esquerdo do pé. Aí, que saco é isso…

Todavia, em que pese toda a má fama dos chatos, não são eles nem um pouco piores que os legais. E, vez ou outra, desconfio que o mundo só caminhe para a frente porque algum chato viu um defeito onde ninguém mais enxergou, reclamou em uma fila onde todos estavam calados, brigaram na hora em que todos fingiram que não viram. Mas, claro, isto tudo é desculpinha furada para justificar o injustificável. Porque, afinal, chato que é chato não tolera autoindulgência

                                                                                             Carlos Goettenauer

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